Meu avô e a Praça

Janete da Rocha Machado

A Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, rodeada de prédios neoclássicos, era o lugar aprazível onde os namorados se encontravam para conversar e passear.


Imagem do Acervo Museu Joaquim José Felizardo/ Fototeca Sioma Breitman

Era ali, também, que se tiravam retratos, no intuito de ofertar à namorada – ou, quem sabe, deixar uma lembrança à posteridade. Os fotógrafos lambe-lambes costumavam instalar-se nas praças e jardins públicos do Brasil no início do século 20, e durante mais de três décadas retrataram as mais variadas situações e tipos humanos.

Por volta dos anos 1930, meu avô, Pedro Freitas Filho, então com seus 20 e poucos anos, tinha por hábito circular por ali. A praça – hoje um dos mais conhecidos cartões-postais da cidade – era de um verde intenso, com suas alamedas marcadas por pedras de um tom rosa muito antigo. Era a época em que a cidade iniciava sua modernização urbanística e de engenharia, com novas estruturas arquitetônicas mais arrojadas. Era a gestão Loureiro da Silva.

Na política, vivia-se um período de incertezas. Era o fim da República Velha (1889 – 1930) e o início de um novo período. Com Getúlio à frente do governo, iniciavam-se a Era Vargas e o Estado Novo – porém, para meu avô, este era um período de muito ceticismo. Taciturno, vovô, em seu terno Oxford (calças com bocas mais amplas), chapéu Panamá (que, apesar do nome, era fabricado no Equador) e gravata, lembrava galãs da época, como Humphrey Bogart e Clark Gable.

Porém, apesar da elegância, vovô transparecia um ar de desconfiança e preocupação. Talvez estivesse com expectativas quanto ao namoro que iniciava com a minha avó, Georgina, ou tomado pelas incertezas que se anunciavam com o novo período. Assim, era preciso deixar uma marca, uma presença, e nada mais apropriado do que um retrato tirado no lambe-lambe da Praça da Alfândega.

Os lambe-lambes fotografavam, normalmente, casais apaixonados ou famílias em momento de descontração. Dizem que o nome vem do ato de o fotógrafo lamber a chapa de ferro, que era coberta por uma camada de asfalto, para que a imagem se destacasse do fundo preto pela ação do sal presente na saliva.

Oitenta anos se passaram, a paisagem alterou-se, mas o retrato amarelado pelo tempo e o legado ficaram para atestar um outro estilo de vida: na moda, nos hábitos, na cultura, enfim, possibilitando o resgate, embora ínfimo, de outra geração.

Veja mais fotos da Praça da Alfândega por volta dos anos 1930:


Imagem Banco de Dados Jornal ZH

Acervo Biblioteca Pública/RS

Acervo Biblioteca Pública/RS

Janete da Rocha Machado – Historiadora, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS e pós-graduada em Rio Grande do Sul: História, Memória e Patrimônio pela Faculdade Porto-Alegrense/FAPA.

FONTES:

Jornal Zero Hora de 27 Dez 2011 e http://janeterm.wordpress.com/2011/09/29/vovo-a-praca-da-alfandega-e-seu-fotografo-lamb-lamb-2/