O mata-borrão

Os mais jovens nem sabem que existiu, outros esqueceram. Uma das construções que deixavam a Porto Alegre de minha infância mais feliz e bonita era o Mata-borrão. Milton Ribeiro1

Memória da Arquitetura Moderna em Porto Alegre2

Construído na década de 60, o pavilhão de Exposições do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, “Mata-borrão”, do arquiteto Marcos David Heckman, edifício na forma que o apelido indica – que também pode ser identificado como um grande olho – todo construído em estrutura de madeira, não era estranho à arquitetura moderna brasileira. Niemeyer já havia ensaiado, em projeto para o auditório do Liceu Belo Horizonte, em 1954, forma semelhante, embora com solução estrutural completamente diferente, funcionando como ícone de referência para Heckman, assim como aconteceu com Pampulha, celebrada por outros arquitetos brasileiros.

Diferente da solução proposta por Niemeyer, pousada sobre o solo, o “Mata-Borrão” encontra-se levemente ancorado através dos pilares de madeira e da rampa de entrada, propositalmente deslocada de seu centro.  Em visão noturna, este edifício transfigura-se reforçando sua forma que passa a flutuar, na medida em que desaparecem as amarras. Heckman explora, de maneira acentuada, a permeabilidade e a transparência das superfícies, dotando de extrema leveza o edifício, que contrasta fortemente com seu contexto. Em foto aérea de João Alberto, sua superfície curva, contínua e brilhante, é facilmente identificada em meio às construções verticais.  

Arquiteturas efêmeras: dois momentos de modernidade na arquitetura gaúcha O papel do patrimônio moderno na Cidade Contemporânea. 3

A história do imaginário urbano de Porto Alegre não poderia existir sem a presença de dois momentos distintos de modernidade, que se refletem claramente nesta “cultura” do pavilhão. O primeiro, expresso através dos pavilhões que compunham a Mostra do Centenário Farroupilha de 1935 — a grande exposição que ocupou a antiga Várzea da Redenção e inaugurou as bases do atual Parque Farroupilha — formalizou de modo alegórico o ingresso no Estado, de uma modernidade nascente, eclética e renovadora. Vinte e cinco anos após, outro pavilhão, desta vez isolado, repete a condição de catalisar e assinalar uma nova tendência modernizante.

Projeto do arquiteto gaúcho Marcos David Heckman (1931) e tendo por tema a exposição denominada “Panorama de uma Administração”, o Pavilhão do Estado do Rio Grande do Sul — popularmente chamado “Mata-borrão”— foi concebido como lugar-expositor das obras públicas estaduais realizadas durante o governo do engenheiro Leonel Brizola. Desde sua inauguração, identificou-se como manifestação da modernidade no Estado, recebendo o primeiro Salão de Arquitetura do Rio Grande do Sul, promovido pelo IAB-RS. 

FONTES:

1. Texto de Milton Ribeiro  “Os mais jovens nem sabem que existiu, outros esqueceram. Uma das construções que deixavam a Porto Alegre de minha infância mais feliz e bonita era o Mata-borrão que ficava na esquina da Av. Borges de Medeiros com a rua Andrade Neves. Ele foi construído em 1958 para ser um local destinado a exposições e outros eventos, acabou servindo como central telefônica enquanto era construído o prédio da CRT do outro lado da rua e, por razões que desconheço, foi demolido no final dos anos 60. Em seu lugar foi construído o edifício perfeitamente comum da ex-Caixa Econômica Estadual (hoje “Tudo Fácil”).” http://sul21.com.br/jornal/2011/05/o-mata-borrao/

2. Anna Paula Moura Canez (Curso de Arquitetura e Urbanismo – UniRITTER – Faculdade de Arquitetura – PROPAR – UFRGS); Eline Maria Moura Pereira Caixeta (Curso de Arquitetura e Urbanismo – UniRITTER – Faculdade de Arquitetura – PROPAR – UFRGS ); Margot Inês Villas Boas Caruccio (Curso de Arquitetura e Urbanismo – UniRITTER); Raquel Rodrigues Lima (Curso de Arquitetura e Urbanismo – UniRITTER – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PUCRS); Viviane Villas Boas Maglia (Curso de Arquitetura e Urbanismo – UniRITTER) http://www.docomomo.org.br/seminario%205%20pdfs/025R.pdf

3. José Artur D’Aló Frota – Faculdade de Arquitetura UFRGS, 1974/ Doutor Arquiteto ETSAB-UPC, Espanha, 1997 – Curso de Arquitetura e Urbanismo / Faculdade de Artes Visuais / UFG; Eline Maria Moura Pereira Caixeta – Curso de Arquitetura e Urbanismo UCG, 1986/ Doutora Arquiteta ETSAB-UPC, Espanha, 2000  Curso de Arquitetura e Urbanismo / Faculdade http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/053.pdf

CURIOSIDADE

O nome do filme em cartaz no cinema Vitória (que se mostra incompleto na primeira imagem deste artigo) é No Reino das Sombras (The Moonlighter), estrelado por Fred MacMurray e Barbara Stanwyck.