Porto Alegre é demais?

Marta Medeirdos

Um comercial do Zaffari de dois anos atrás dizia que a melhor vista de Porto Alegre é a da janelinha do avião, quando estamos voltando pra casa. Eu, que tenho viajado mais do que gostaria, digo: a melhor vista de Porto Alegre é mesmo a da janelinha do avião, quando estamos voltando pra casa.

Porque uma cidade é isso: uma casa. Quem nasceu no interior considera que a melhor vista da sua cidade é a placa que diz ainda na estrada: “Seja bem-vindo a…” (preencha com o nome da sua terra natal).

Não dou a menor bola para quantos anos Porto Alegre fez sexta-feira porque não muda nada: 100, 200, 300, é tudo a mesma coisa, não há fim previsto. Para uma pessoa é diferente, um ano a mais é um ano a menos, mas uma cidade rejuvenesce com o passar do tempo, e sobreviverá aos seus habitantes, o que já a torna superior. Sempre estará em larga vantagem, mesmo comemorando 1.000 anos. 

Quais são as rugas de uma metrópole?

Por mais que as coisas ruins se intensifiquem (poluição, violência, trânsito), toda cidade que é nossa fica automaticamente imunizada pela familiaridade. Conhecer suas ruas, seus horários de pico, suas tribos, seu clima, tudo isso nos dá uma sensação apaziguadora, e é isso que Porto Alegre tem de bom: ela cumpre com os porto-alegrenses o que o Rio cumpre com os cariocas e São Paulo cumpre com os paulistas: não há desapontamento. A cidade piora e a gente segue amando-a do mesmo jeito.

É um amor comodista, amor de casamento, amor de chinelo usado, de lado certo no colchão, de sempre a mesma xícara no café da manhã: estando tudo igual, é o que basta. Quando abre um restaurante novo, é como um sábado. Abre um novo museu, é como um feriado. Mas a cidade é o entorno disso tudo, é o que lhe é imutável, o seu astral.

Não gosto de discursos, de hinos, e muito menos de celebrar o inanimado. Porto Alegre é um conjunto de bairros que possuem várias ruas com inúmeros prédios: tudo muito concreto. E também árvores brotando do calçamento, bom número de praças e parques, o charme de alguns morros e um lago/estuário/rio – cada um chama o Guaíba como prefere. Uma cidade. Uma capital. Um lugar. Dá para se comover com isso?

Comoção não é a palavra que me ocorre. Mas cidade é casa. Endereço fixo. Como nossa cama, como nosso travesseiro, não há hotel cinco estrelas que substitua. Nossa cidade é o que há de mais parecido com um útero. Porto Alegre, pra mim, poderia ser celebrada junto com o Dia das Mães. E mãe pode ser boa, ruim, exigente, negligente, sufocante, distante, o que for – não há como lhe ser indiferente.

Não compactuo com a música que diz que “Porto Alegre é demais”, sei que há lugares bem melhores do mundo, mas é onde fui gerada e criada, e isso não tem concorrência. Não é apenas onde estou. É onde sou. (Jornal ZH, de 28/03/2010)