O FINAL DO SÉCULO XIX

No século XIX as conquistas industriais, o progresso da ciência e o avanço no campo das Artes (Literatura, Pintura, Música) fez aparecer nas grandes cidades, nos anos que antecederam a passagem para o século XX, o que se denominou “cultura de massa”. Alterações nas estruturas político-econômicas na Europa e a expansão dos transportes, colocaram nos mercados equipamentos e bens de consumo, possibilitando melhores condições de vida para os trabalhadores.

O Brasil também acompanhou a tendência mundial desenvolvendo novas estruturas financeiras, comerciais e culturais: a transformação do trabalho escravo para a mão de obra livre (1888), a mudança de monarquia para república (1889), a inauguração da Academia Brasileira de Letras (1897).  

Sobre a nossa cidade daquele tempo encontramos referencias no trabalho de Sheila Katiane Staudt – A Porto Alegre do Século XIX Sob o Olhar dos Viajantes:  

“o advento do progresso e o desenvolvimento de Porto Alegre deixaram marcas em seu traçado e, por esta razão, o registro destas modificações está presente nas crônicas dos viajantes que por ela passaram, dando origem, então, às primeiras imagens desta cidade”

“Henry Lange – viajante alemão – enumera os meios de  transporte aqui existentes e o interesse cultural da população – características estas da preconizada modernidade: A  cidade  possui  linhas  ferroviárias  e  de  navegação  a  vapor,  bonde  de  tração  animal,  teatro, jornais, enfim  tudo o que caracteriza uma cidade grande de  futuro. Também as medidas para elevar o nível de cultura intelectual, tanto as brasileiras como as alemãs, começam a aumentar e a melhorar.  Nos  últimos  tempos  foram  fundadas  algumas  louváveis  instituições  de  ensino  por  hábeis professores alemães.”

“O  médico  português  Antônio  Lopes  Mendes  passa  por  Porto  Alegre  em  1882  e discorre sobre o desenvolvimento da mesma:  A cidade de Porto Alegre, de qualquer lado que se contemple, oferece um aspecto encantador. […] As ruas, calçadas de granito e com passeios de grés, são largas, cortam-se em ângulos retos e prolongam-se na direção dos quatro pontos cardeais. As praças são arborizadas e adornadas de  vistosos  chafarizes monumentais  de  ferro  e mármore,  que  abastecem  a  cidade  com  água potável, que vem do arroio denominado Dilúvio; todas elas são iluminadas a gás, tendo amplas lojas  de  comércio  nos  principais  arruamentos.”

O CINEMA CHEGA A PORTO ALEGRE

O final do século XIX marca a chegada das mágicas imagens do cinema a Porto Alegre, pelas lentes do cinematógrafo e de outros aparelhos similares. Alice Dubina Trusz1, em seu trabalho “O dia em que as vistas se animaram: a experiência inaugural dos porto-alegrenses com os espetáculos de projeções cinematográficas.”, registra que:

“Os espetáculos de projeção de imagens ampliadas em salas escuras foram oferecidos aos porto-alegrenses a partir de 1861[…], majoritariamente como opção de entretenimento. Eles tinham lugar principalmente no Teatro São Pedro, construído em 1858 e mantido sem concorrentes até 1879, quando surgiu o Theatro de Variedades. Não foram abertas na capital gaúcha salas especializadas em projeções luminosas, como foi corrente na Inglaterra e na França. O teatro se tornou o lugar por excelência da sua exibição também porque foi o palco habitual dos espetáculos dos gêneros de diversões que as integraram aos seus repertórios de atrações.”

“A introdução do cinematógrafo em Porto Alegre, em 1896, se inscreveu num contexto enriquecido por uma tradição de espetáculos de projeções que dispunham de uma organização, um espaço e uma importância cultural consideráveis, construídos ao longo de décadas. A sua valorização pelos contemporâneos fundava-se no reconhecimento das potencialidades das imagens como criadoras de ilusões ópticas e de prazer lúdico, mas também como meios de representação      do mundo e produção de conhecimento visual sobre o mundo .(LEENHARDT, 1997, p.11) “

Em sua tese de doutorado (Entre Lanternas Mágicas e Cinematógrafos – As Origens do Espetáculo Cinematográfico em Porto Alegre. 1861-1908. Porto Alegre: UFRGS, 2008) Alice Dubina Trusz descreve a chegada do cinema a nossa cidade:

“Os introdutores do cinematógrafo em Porto Alegre não eram artistas, mas pertenciam ao grupo dos primeiros exploradores que no Brasil apresentaram a novidade que vinha dando a volta ao mundo desde que foi lançada publicamente em Paris, em dezembro do ano anterior, pelos Irmãos Lumière. Antes de conhecer pessoalmente o cinematógrafo e suas imagens, porém, os porto-alegrenses dele tiveram notícia pelos jornais. […] Nos comentários posteriores às primeiras projeções cinematográficas realizadas em Porto Alegre não constam informações sobre a localização do projetor e a existência ou não de cabines de projeção. Nos teatros, largamente utilizados pelos exibidores cinematográficos itinerantes que visitaram a cidade entre 1897 e 1908, o aparelho de projeção pode ter sido posicionado nos camarotes centrais, localizados acima e atrás dos espectadores, sendo mais comum a construção de cabines de projeção quando a exibição ocorria ao ar livre. […] Outro aspecto peculiar às primeiras projeções cinematográficas observado no relato carioca, mas também em testemunhos estrangeiros e porto-alegrenses, é o fato de que estas iniciavam com a projeção de uma imagem fotográfica fixa na tela, algo já conhecido e praticado por meio das lanternas mágicas, mas que após alguns instantes começava a se mover, o que acabava evidenciando a grande novidade destas imagens, o movimento. […] Em 03 de novembro, Francisco de Paola já estava em Porto Alegre com o seu “schinomotograph”. A exibição aconteceria num salão especialmente preparado para as demonstrações, situado na rua dos Andradas, 349, “em frente ao ponto de bondes”. O anúncio publicado pelo exibidor dava grande importância ao nome do aparelho e à natureza das imagens projetadas – “fotografia animada” em “tamanho  natural” – enfatizando a sua novidade tanto em relação ao gênero das imagens projetadas pelas lanternas mágicas, quanto à qualidade da sua visualização no quinetoscópio de Edison, onde elas eram observáveis em tamanho muito reduzido e individualmente. De Paola também fez questão de lembrar aos interessados que já era conhecido na cidade, apontando os laços estabelecidos em suas visitas anteriores, quando conquistara a simpatia e o crédito do “culto” público local. Acrescentava apenas que agora tinha um sócio, M. J. Dawis, que podia ser também o operador do projetor. A chegada de Georges Renouleau a Porto Alegre foi anunciada no mesmo dia daquela de Francisco de Paola. Vindo de São Paulo, este senhor também era conhecido no meio local, onde havia atuado como fotógrafo no final da década de 1870. Segundo a imprensa, trazia de Paris um moderno aparelho de cinematografia, capaz de reproduzir “cenas animadas da vida, em quadros onde se apreciam personagens com todos os seus movimentos naturais. ”O aparelho era destacado por sua originalidade e “surpreendente efeito” e deveria ser exibido a partir desta mesma semana no salão do prédio da antiga Drogaria Jovin, na rua dos Andradas, 230. Observa-se novamente a ênfase no novo gênero de imagens e na qualidade diversa da experiência visual que proporcionavam, mas não na projeção propriamente dita. Desde o início, a imprensa recomendou a visita do público aos “expositores” dos “curiosíssimos” aparelhos. As datas das suas aberturas foram marcadas e adiadas, estreando Francisco de Paola e S. Dawis em 05 e Georges Renouleau em 07 de novembro. Como ocorreu no Rio de Janeiro, ambos inauguraram estas duas primeiras salas temporárias de exibição com sessões especiais, restritas a representantes da imprensa, convidados e autoridades, uma prática que teria continuidade entre alguns exibidores itinerantes e entre a totalidade dos primeiros exibidores sedentários locais, em 1908. Tais pré-estréias foram chamadas “experiências” e de fato representavam uma espécie de teste de qualidade, tanto do ponto de vista técnico quanto da recepção do público. A iniciativa era interessante para o exibidor porque permitia testar o grau de atração do seu produto junto à classe ilustrada e formadora de opinião e à elite local, podendo ser mesmo uma oportunidade para observar algumas de suas expectativas e preferências, que de alguma forma representavam as expectativas do grande público. […] A primeira exibição cinematográfica promovida por De Paola teve início às 18h30 e contou com a projeção das vistas “Uma corrida em Velocípede”, “Cena Característica”, “Baile Escocês”, “Loie  Füller – Serpentina” e “Chegada de um Trem à Gare de Londres”[…]

Georges Renouleau estreou dois dias depois de De Paola e, como não poderia deixar de ser, teve as suas projeções avaliadas em referência àquelas apresentadas pelo concorrente e que haviam provocado o deslumbramento acima relatado, ao menos em relação a um dos filmes projetados. Segundo informou a imprensa, este segundo exibidor começou por projetar cenas de “uma criança brincando com cachorros, exercícios de equitação por um grupo militar, e tiragem de um carroção com incidentes de espancamento dos respectivos animais.” Segundo a República, o seu espetáculo inaugural esteve repleto de “excelentíssimas famílias e cavalheiros”, descrevendo, portanto, um público de elite como o primeiro a apreciar a projeção, que era, na verdade, uma pré-estréia reservada a convidados.

A ótima qualidade da projeção mereceu aplausos. Destacou-se a perfeição do “aparelho de fotografia instantânea”, a nitidez das imagens e o movimento que as animava”

Os filmes “Serpentina” e “A Chegada do Trem”, estavam entre os primeiros exibidos em Porto Alegre 

Serpentina

A Chegada do Trem

Ainda sobre o cinematógrafo Susana Gastal 2 em seu livro “Salas de Cinema – Cenários Porto-alegrenses” refere que “os porto-alegrenses do final do século dezenove descobriram as maravilhas do cinema […]. Era algo que também estava no imaginário das pessoas, que seria a reprodução, a guarda e a possibilidade de arquivar feitos do passado ou coisas do presente, ou seja, a reprodução da vida.”

Primeira sala de cinema de Porto Alegre
Primeira sala de cinema de Porto Alegre

Em 1908, Porto Alegre inaugurava “a primeira casa com destinação específica para o cinema: o Recreio Ideal”. E transcreve nota publicada em jornal da época: “O salão está muito bem preparado e tem grande número de cadeiras, sendo os trabalhos de cenografia executados pelo conhecido cenógrafo Alfredo Tubino. O aparelho cinematográfico é, sem dúvida, o melhor que até agora veio a esta capital, não se notando nas projeções a mínima trepidação.”

No próximo artigo apresentamos os saudosos cinemas de rua de Porto Alegre. Clique no link abaixo.

FONTES:

1 Alice Dubina Trusz, vencedora da primeira edição do Prêmio SAV para Publicação de Pesquisa em Cinema e Audiovisual (2009-2010) categoria Tese de Doutorado com seu trabalho: “Entre lanternas mágicas e cinematógrafos: as origens do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre (1861-1908)”. Possui doutorado (2008), mestrado (2002) e graduação (1989) em História, com formação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Realizou estágio de pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2011-2012) e estágio de doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris/FR (2005-06).

2 Susana Gastal possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1974), mestrado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995) e doutorado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002). Pesquisadora e Orientadora do Mestrado em Turismo da Universidade de Caxias do Sul. Foi diretora científica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo (ANPTUR) no biênio 2009-2011.

Os saudosos cinemas de rua da nossa cidade